
HOJE SONHEI EM OLHAR PRA MIM
thomaz ambrosio - 05/2023
Eu não consigo lembrar de um momento onde não estive parado aqui, nesse campo. Antes de te situar, uma rápida divagação: de todas as palavras da língua portuguesa, “campo” talvez seja o termo — dos que eu consigo pensar — mais eclético, versátil nos sentidos. Um termo que pode, simultaneamente, descrever um espaço físico e um espaço teórico. Pensando bem, ele ajuda a transformar o espaço físico em espaço teórico, erguendo fronteiras para categorizar o abstrato. Para de ser tudo, e vira um algo — e consequentemente, passa a não ser o resto. Esse campo teórico é, também, auto-centrado. Seu fluxo é similar ao da terra (o nosso tudo), que exerce uma força universal direcionada a seu centro. Não fosse sua crosta, estaríamos todos no mesmo lugar; seríamos a mesma coisa, tal qual o campo teórico, que atrai tudo que o diz respeito para o seu centro, que por conveniência, também acaba sendo seu nome.
Agora sim, de volta ao campo onde estou. Em um rápido exercício de descrição, você pode ficar a vontade para cria-lo: para mim, ele é composto de um matagal amarelo-desbotado; não é exatamente capim limão, e nem um amontoado de ervas-daninhas. Não é elísio, como seu primo famoso, mas é uniforme na sua flora. Esse mato vai até o meu joelho, e balança muito pouco pelo vento. O céu, azul, também está desbotado — devem ser por volta das 16h. Esse campo é o meu, não porque me pertence, mas porque eu pertenço a ele. Enquanto campo teórico, sou o conceito que ocupa seu centro, que também é a pior vista da casa.
Ela é tão ruim porque te põe sempre na contra-mão de seu próprio fluxo. Do meu próprio fluxo, na verdade. Quem me observa, vê as coisas em seu trajeto rumo ao centro. Já eu só consigo ver a partir dele, e de um ponto fixo. Tudo que se aproxima, quanto mais perto de mim chega, maior fica. Essas coisas — objetos, vontades, desejos, idéias, opiniões, medos — vão ficando cada vez maiores, cada vez mais eu. Acredito que, pra muitas pessoas, essa transformação é prazerosa. A singularidade é uma forma de conquista. Mas sofro com um interesse constante no que está longe, muito longe, além dos limites do meu campo. Não me interessa o que caminha para ser eu, peço educadamente que saia da frente enquanto se aproxima. O que me interessa está longe, fora do meu campo. Eu não consigo enxergar bem tudo que não sou, apenas sei que tudo que eu não sou gosta de me observar de volta.
Essa parte não vou me arriscar em descrever. Para além do mato amarelo e desbotado, existe tudo que não é mato amarelo e desbotado. Existe tudo que nunca virá a ser eu, mas que passa perto, que orbita, que eu até consigo achar que está vindo na minha direção. Coisas feias, coisas lindas, coisas que mudam de tamanho e até viram espelhos (me dou a liberdade de entendê-las como reflexos), coisas que seguem seu rumo pra longe de mim. E não pensem que eu nunca fui atrás, mas sofro de ser título de campo teórico, de ser conceito. O centro é onde eu estiver. Ando atrás do que não sou, e não saio do lugar. Mas sonho com um dia deixar algo no meu lugar, uma presença substituta que me permita poder passar batido pelas coisas que caminham pelo mato rumo ao meu centro, e poder me divertir com as coisas que estão fora. Quem sabe, finalmente, poder olhar pra esse eu bem de longe. Agora são 16h01, e continuo parado no campo, e tenho a impressão que o mato cresceu um pouquinho.




